Na segunda estante,
um garfo torcido entre o álcool puro
e as giletes usadas.
Sobre a geladeira treme
uma estatuazinha: é um tenista banhado em ouro falso
no ato de sacar o primeiro serviço.
Cada minuto um troféu de plástico.
E em que momento um homem perde
a noção e sua mente fica em branco:
quando não pode dormir e não aguenta
o fato de estar desperto.
Como se chama isso pendurado na parede,
Como se chama isso que cobre a lâmpada.
Rodeado de coisas sem nome também a mim
teria gostado começar isso
com: de noite junto ao fogo
mas aqui
não há, salvo em potência, fogo
e isso que se divisa, uma escuridão
baldia sobre nós, a duras penas
pode ser chamada de noite, nada
faz supor o final da transmissão noturna
que agora termina e deixa
a tela nevada
transportando à penumbra do corredor
a oscilação de um ar gris que não provoca
nenhuma emoção salvo nas coisas.
Antes do corte da programação esteve
o voo de uma mariposa na tela
em contraponto à trilha sonora de Chaparral,
uma japonesa que se atirava na piscina,
as legendas em verde diziam:
“por acaso não é você a de olhos azuis”,
em outro canal, o documentário sobre câncer de pele
e em outro um delfim saltando atos de fogo
e de novo a japonesa secando a nuca
com a toalha, olhando para a câmera
troca e outro diz “só se escreve
sobre a morte por dinheiro.”
Cadáver, isto já não é rock,
alguns roubam estéreos, outros roubam esposas
mas todos roubamos.
Diferenciando a dor da abertura siciliana
vai até a peça e numa folha escreve
a jogada de uma partida por correspondência
que vai reproduzir um tabuleiro em Concórdia
em outra noite. Alguém lê
a nota: Xeque,
torre negra toma peão do bispo um
mate
e sabe que todas as suas peças estão perdidas.
Não há cor, unicamente
resta a variação nos tons
de cinza que, no corredor,
se fundem com o lampejo aguado de um anúncio de iogurte
que vem da rua:
PORQUE O MAIS IMPORTANTE diz É VOCÊ MESMO.
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