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DA TORRE - A eternidade oriental


Nunca estive no Japão. Conheço das paisagens japonesas o que as gravuras dos mestres e os filmes foram capazes de me oferecer, o fantástico monte Fuji, uns rios por entre montanhas cobertas por bambuzais. Também não poderei, acima de tudo, estar no Japão de há novecentos anos, com seus xogunatos, seus violentos dilemas políticos, suas cortes em que a poesia (como na China da Dinastia Tang) era um passaporte para os melhores salões, para os cargos de confiança, ai de mim, nasci sempre tarde e no lugar errado.


Uma cultura de elegantes ideais estéticos, como o gosto pela contenção, por compreender o quão triste é o caráter fugidio de todas as coisas, por uma alta suscetibilidade à passagem das estações do ano, com um especial destaque às cerejeiras em flor na primavera e aos bordos a perder outonalmente suas folhas mais vermelhas que um incêndio.


Posso, contudo, numa espécie de consolação, contemplar o mundo nipônico por meio da famosa antologia do filólogo e poeta Fujiwara no Teika, compilada no século XIII: Cem poetas, um poema de cada um. Apesar das divergentes traduções, da complexa conversão dos ideogramas — com diferenças marcantes nos resultados finais —, o estado de espírito evocado pelos versos quase sempre sobrevive.


Não se trata bem de entrarmos numa outra forma de pensamento. Também não é um mero apelo ao sentir ou a um despertar de nossas sensibilidades. É um estar sem estar. O mundo parece ralentar seus movimentos, a água faz-se mais sólida, as folhas e as flores caem vagarosas, a luz da natureza adquire uma constância de estúdio fotográfico, e, de algum modo, passamos a habitar integralmente a realidade lírica. E num relance a perdemos.


Uma iluminação compacta, um universo instantâneo. E depois, outra vez, a voragem da vida, o emplastramento dos dias, a inconstância carniceira, amiga do pó, do vento, do nada.


A vitória das atribulações.


Até o próximo poema da antologia, o do jovem xogum Minamoto no Sanetomo, que faz com que o acompanhemos à margem de um rio, para vermos o retorno de um pequeno barco pesqueiro. Seu lamento nos lembra de quão efêmeras são as tréguas dos afazeres, convocando-nos a habitar o momento retratado a ponto de fazê-lo nosso, pela eternidade de cinco versos.

Se o mundo pudesse apenas

Manter-se sempre assim,

Alguns pescadores

Cruzando num barco a remo

Em direção à margem do rio.

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